sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Quando o inesperado te espera. (suposta Parte III)


III


Uma das crianças, um garoto, começou a andar e terminou de atravessar o rio. As outras ficaram desamparadas, talvez, sem saber o que fazer. Ela se abaixou e colocou as mãos na margem, aos poucos a água estremeceu como um copo d’água quando colocado abruptamente na mesa, duas meninas e um menino correram em nossa direção.

Do outro lado não havia mais ninguém.

Ficamos sentados encostados em uma árvore, ninguém falava nada, o único ruído era o de uma das meninas que vez ou outra soluçava abraçada aos joelhos.

Somente quando começou a amanhecer voltamos para o barracão. Exausta sentei em um dos cantos e apaguei, só voltei a acordar na manhã seguinte.

A quantidade de pessoas que viviam ali se resumia a cerca de quarenta mulheres, quinze a vinte crianças e contados quatorze homens.

As mulheres e crianças tinham idades variadas, mas os homens pareciam irmãos e nascidos na mesma época. Uma mulher aparentando seus sessenta anos devia ser a mais velha.

A casa quando estava com as janelas abertas produzia um sonzinho que lembrava sinos, havia ervas e pedras que lembravam as do rio em torno da construção, do teto pendiam alguns cordões que se entrelaçavam nos quatro cantos.

Entre o que agora chamarei de casa e o matagal havia um espaço considerável com algumas plantações.

Quando acordei as três crianças que retornaram comigo do rio e a mulher haviam desaparecido.

Seguiram-se vários dias sem que eu tomasse conhecimento do que havia acontecido a elas e a mim. Não ouvi os sussurros durante esses dias, tampouco houve grandes movimentações.

Numa manhã tentei fazer o mesmo percurso para chegar ao rio, quando consegui encontrar o sol já estava alto, sentei próximo à árvore e apoiei a cabeça em seu tronco, adormeci.

Quando abri os olhos estava numa sala com o diretor geral recolhendo as avaliações, a minha estava em branco.

Encostada a porta de metal vi um vulto. Ela.

Quando o inesperado te espera. (suposta Parte II)

II


As mulheres recolhiam as crianças para a construção, aos poucos o lugar foi se tornando mais estranho ao meu olhar, eu continuava sentada no mesmo lugar tentando entender o que poderia ter acontecido, até que um sussurro passou pelo meu ouvido, vozes misturadas e sem sentido falavam por entre a escuridão. Um vento forte sacudiu o matagal, apagou algumas tochas e entre gritos de mulheres mandando as crianças para o barracão e gritos das próprias crianças de terror eu continuava a ouvir as vozes sussurrando, o medo que já não era pouco se alastrou e também corri para entrar. Lá dentro, como já esperava, não havia separações, era apenas um grande barracão de madeira, tanto o teto quanto as paredes eram feitos de uma madeira crua e escuro avermelhada, como abertura só enxerguei uma porta e duas janelas, havia muito espaço lá dentro sendo que várias crianças choravam pelos cantos.

De repente, no meio da confusão uma mulher apareceu na porta avisando que quatro crianças não estavam por perto e que o paradeiro mais certo de encontrá-las era no rio das Calanhas. Ninguém se propôs a ir na busca, não sei porque, mas me ofereci para acompanhá-la.

Dentro do barracão a claridade era mínima, produzida por pequenas tochas que se dispunham ao centro, mas do lado de fora era o completo breu.

Na mão ela levava a nossa única fonte de luz. Nos distanciamos da construção e passamos a andar pelo matagal, ela parecia conhecer o caminho, mas vez ou outra tropeçávamos nas pedras e raízes. Depois de um tempo, que para mim passou como anos, saímos em um lugar aberto, uma grama que passava pouco do calcanhar e já se ouvia o barulho da água lenta entre pedras. Um frio subiu pelas minhas pernas. Ela não falava nada.

O matagal a pouco deixado para trás se sacudiu com uma ventania, nossa única fonte de luz se apagou e voltei a ouvir como se muitas pessoas falando em outra língua sussurrassem algo.

Quando me dei conta estava andando sendo guiada pelos puxões de braço que ela me dava.

Por algum tempo fiquei estática, ela ia à frente quando percebeu o meu estado, voltou e me puxou guiando meus passos.

As quatro crianças estavam dentro do rio. Uma água clara, absurdamente transparente, deixava ver seus pés sob, e o musgo das pedras. Continuava escuro, era como se alguns filamentos de água iluminassem o rio.

Estavam paralisadas.

Vendo-a de costa, de encontro ao vento, senti como se já a tivesse visto. Do outro lado da margem vinha alguém, as crianças se mantinham no mesmo lugar, mas numa posição em que sugeria que caminhavam para lá.

Tentei me aproximar da margem, ela bloqueou.

Um frio se apoderou do meu corpo, na escuridão só via alguns vultos. Mas era certo, do outro lado havia alguém.

Quando o inesperado te espera. (suposta Parte I)

I



Sexta-feira pela manhã, logo na chegada, os empregados foram reunidos no pavilhão principal para uma conversa e provavelmente seria aplicado um teste de auto-avaliação de desempenho na empresa.

Todos sentados preencheram uma parte do andar, que mais parecia um galpão, sendo que algumas pessoas ficaram em pé apoiadas na escada.

O responsável por iniciar a reunião começou falando sobre as diferenças do comportamento em casa e no trabalho entre frases de auto-ajuda e de personalidades.

Como estava perto da porta, uma porta alta e larga de metal e que no momento estava totalmente aberta, uma mulher morena levantou e caminhou para fora do pavilhão. Após andar alguns metros e se aproximar da beirada do prédio um vento forte sacudiu os seus cabelos. Estava no último andar de um prédio gigantesco em meio a vários outros tão imponentes quanto. Caminhou próximo a beirada e ao chegar ao extremo do prédio viu uma ligação entre esse e o vizinho feito por uma coluna horizontal de concreto. Se aproximou, apalpou e se agachou, pé ante pé foi andando pela coluna até que em algum momento quando já estava perto do outro prédio viu se desmanchar aos poucos a coluna e vindo em sua direção uma pessoa.

Sentada entre os funcionários que assistiam à reunião eu respirava fundo após ter essa primeira visão. Por instantes ouvi o diretor geral anunciando alguns avisos quando a vi sair novamente.

Fez o mesmo trajeto, e aparentou ter o mesmo vento sacudindo seus cabelos, agora eu via a pessoa caminhando no outro prédio enquanto ela passava próximo à beirada, não saberia dizer se era um homem ou uma mulher, mas vinha em direção à ligação entre os dois prédios, passos decididos, contidos, mas apressados. Ela já ia além pela coluna, no meio o caminho se despedaçou e ela sacudia os braços para o alto tentando se agarrar nos ferros da construção. Os passos vinham apressados em sua direção, se debruçaram na beirada e os braços...

Sentada entre os funcionários que assistiam à reunião eu respirava fundo tentando manter a calma, olhei para a porta, mas não havia ninguém lá.

Foi como um desmaio. Um suor frio correu pelo meu corpo, senti uma necessidade enorme de deitar e tirar as roupas que passaram a me sufocar e aos poucos eu já não estava mais ali, um acontecimento de segundos, mas quando recobrei os sentidos estava escuro e eu estava sentada em um local cheio de lama e mato, onde no meio havia um barracão cheio de pessoas que andavam de lá para cá.

Reconheci duas ou três colegas de trabalho, perguntei como havíamos parado ali e para elas foi como se nunca estivéssemos fora daquele lugar. Não sabia o que fazer, mas naquela semi-escuridão o medo reinava.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sobre você, ou não.

Van Gogh



Pensei em telefonar, mas odeio telefonar para as pessoas, acho tão incômodo. Depois de um tempo achei que seria melhor mandar uma mensagem, mas se eu mandasse uma mensagem você retornaria com uma ligação, talvez.
E aí eu acharia a ligação incômoda.
Continuei lendo algumas coisas sobre rins e bexigas quando a vontade veio novamente. Controlei analisando o ostío do ureter, não entendo como conseguem fazer aqueles desenhos tão minuciosos.
De repente de onde eu estava dava para ouvir a música do vizinho, houve um aumento considerável do volume, e ouvir os beatles me fez lembrar da vontade de ver você (mentira, ele não ouvia os the beatles, mas eu gostaria que fosse).
Fiquei momentaneamente frustrada comigo mesma, mas o que é que eu posso fazer se na verdade eu gosto dessa vontade e de sentir sua falta?!.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Parararam pam pam.

Andando pela rua, pés cansados e pernas pesadas, vi que ela sentou em um daqueles bancos sujos de praça e colocou nos ouvidos um fone, achei aquilo imprudente, principalmente hoje em dia quando não se pode mais vacilar com essas coisas.

O sinal abriu e fechou. Os carros pararam, as pessoas caminharam em um ritmo dois pra esquerda e um pra direita, desviando aqui e ali.

Na sua frente quem passava mantinha o mesmo compasso, pra lá e pra cá.

Quando levantou ela exageradamente andou no gingado do bolero que os transeuntes inconscientemente dançavam.




Enquanto voltava pra casa lembrei de uma música que se encaixaria perfeitamente em um vídeo com essa cena.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pensamentos soltos - online

Mais um ano, mais um dezessete de fevereiro.



Aquilo que é bom pra mim eu também desejo pra você. Acredite.



Talvez eu passe um tempo sem escrever, nunca gosto do que escrevo porque sempre foge do que eu havia formado no pensamento.
Entrarei em reforma, de novo.



Eu sou uma pintura no espelho?
Há um reflexo atrás da tinta...
Sim, essa sim sou eu.

Ser louco é deixar na pintura o borrão e dizer que faz parte da arte,
é ter a beleza de ser peculiar,
ser você e apenas você.

...e com essas palavras abriram a porta do manicomio.



terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A flor.

Quando se é criança a vida passa como se fosse um dia quente e ensolarado e por algum motivo é necessário subir uma ladeira correndo. Os anos vão passando e a gente continua correndo pela ladeira, o suor escorrendo pelo rosto, a camisa já encharcada, mas enquanto corremos o vento vai batendo e o calor se mistura com uma sensação quase agradável. Depois de muito tempo nós paramos pra recobrar o fôlego e enquanto nos encostamos em algum poste do caminho sentimos o sangue correndo e o coração acelerado. Nem nos damos conta de quanto já andamos e de quanto já mudamos - mudanças na face e no caminho.

Depois que a infância se dissolve no suor às vezes o tempo muda, mas sempre estamos a correr pela ladeira; cada um corre de um jeito, no seu tempo.

Quando as pernas não aguentam mais e paramos para um novo descanso já estamos longe, há um silêncio que não atrai o nosso olhar para trás.

Voltamos a correr, mas sabemos que o passo de agora é a caminhada de antes e que não agüentamos mais o suor que escorre pelas costas.

A ladeira é alta, a corrida longa.

Uma hora não haverá mais pernas fortes e robustas e então sentaremos, olharemos para trás e iremos nos deparar com um jardim de girassóis, um vasto jardim onde a flor mais bonita será você e por algum motivo voltaremos a sentir a sensação estranha e boa do vento passando por um rosto suado.