quinta-feira, 31 de julho de 2008


...Os pensamentos ganham forma, mas na fôrma se deformam...


Jesus havia nascido em um pequeno vilarejo, no dia 21 de dezembro, mas por erro do cartório foi registrado quatro dias depois constando então em sua certidão como dia 25.
Eram tempos difíceis, morava com os pais que viviam em crise contínua por suspeita de falsa paternidade, mas continuava sendo uma boa criança. Passava seus dias contando histórias para os vizinhos que andavam desempregados e ficavam pelas redondezas lavrando o terreno para conseguir alimento ao menos para a família.
Ao acaso, não se sabe ao certo e nem ele mesmo lembrava mais, se perdeu durante uma saída com os pais e após esse dia algo em Jesus havia mudado.

Ele agora ouvia vozes.

Diziam que estava louco, e que não tinha mais solução para o seu caso, mas não era isso o que ele pensava.
Achava agora que era a solução dos problemas de seu povo e que seguindo a voz poderia salvar sua família e os outros da miséria.
Seria ele o messias, repetia a voz que a todo instante insistia em contratá-lo.
Por várias noites sonhava acordado com milagres e a sua dominação de paz no mundo. Surgia em sua mente a visão das pessoas cantando em seu louvor e saldando-o em todos os lugares por onde passasse, andando sobre o mar e doando pão e peixes para os pobres. Não queria esquecer o que deveria fazer assim que aceitasse o contrato e escrevia durante a noite todas as possíveis tarefas a serem realizadas escondendo o caderno sob as ruínas para que não aumentasse mais as más falas dos conhecidos.
Anos se passaram, Jesus cresceu e já adulto não ouvia com tanta freqüência, custava então acreditar na voz, no sonho de criança. Mas enquanto lia seu caderno velho, a chuva e o uivo do vento pararam momentaneamente e ele ouviu vindo da nuca a mesma frase de antes como um vapor quente, mas agora firme e confiante que arrepiou todo seu corpo que de nervoso ficou molhado de suor, tremia de frio. Aceitou.
Um impulso enorme o fez sair de casa. Pelo caminho nublado e umido foi confundido com um bandido e crucificado.

Mas o contrato havia sido selado, ele seria o messias, o braço direito de Deus.

...E quem provar que é mentira ganha um doce...



...Pé em Deus e fé na taba...


Havia uma mesinha, uma cadeira giratória, um pouco gasta e quase sem assento, uma janela que dava para uma paisagem branca e azul com alguns flocos espaçados e vários armários com pastas atoladas de inúmeros papéis que a todo instante apareciam dentro das caixas empilhadas.
Havia um homem sentado na cadeira com uma barba um pouco grande, tanto quanto seu cabelo, de aparência jovem e um pouco nervosa e pálida, quem sabe por tanto tempo sem ir passear e tomar um sol, curvado sobre a mesa assinava alguns dos vários papéis que estavam por ali, quando acabava jogava pela janela e o papel flutuava ao sabor do vento,talvez, até o seu destino. Uma placa situada entre a caneta-tinteiro e o carimbo segurava seu nome em letras de imprensa, Jesus de Nazaré.

Já fazia alguns anos que Jesus estava ocupado naquele emprego que parecia - e realmente deveria ser - sem fim. Alguns anos antes tinha sido contratado por alguém que não revelara seu nome, apenas se titulara Deus, e isso parecia bastar. Deus, porém nunca havia aparecido e não dava mais notícias de sua existência, nem mesmo um sinal miraculoso e homeopático para as crises de ler de Jesus, ou como depois de tantos anos de trabalho sem receber salário Ele entendia o porquê dos inúmeros pedidos que assinara de humanos injuriados querendo aumento e pedindo a morte do patrão.
Uma lástima. Enquanto lia mais um pedido de ajuda e relato de miséria, pensava na sua e em como foi parar naquela situação.

quarta-feira, 23 de julho de 2008


... Acho que a gente é que é feliz... Deixa de lado essa tristeza...



Enquanto se preparava pra levantar continuava de olhos fechados, já sabia o caminho para o banheiro. Calçou a sandália já lascada e pequena de tantos anos de uso e foi embalado pelo sono ainda tranqüilo que o dominava.
Lavando o rosto abriu os olhos.
Não reconheceu mais a imagem do espelho.
Não se sentia dentro de um corpo.
Não sentia estar realmente naquele local, apenas havia a sensação de que a água continuava escorrendo pelo rosto, mas todos os movimentos eram pré-programados e não precisava pensar. Os pensamentos não estavam ali.
Não precisava mais pensar.
Mas, pensar não precisava.
Não pensar, mas precisava.


Se deparou com a ausência dos pensamentos. Para onde eles haviam ido?
- -.
Não houve resposta, não havia nada ali para responder.


Nunca sentiu tanto frio interior quanto naquele momento, afinal apenas as emoções e o instinto havia restado. A procura desenfreada por algo que o preenchesse fez com que virasse um animal.
O ser humano só é chamado de racional por ser o único tido como pensante, mas ele não lembrava como fazer isso. Seus últimos anos eram apenas momentos pré-programados. Esqueceu. Desaprendeu (será que se aprende?).


Acordou.


“Enquanto se preparava pra levantar continuava de olhos fechados, já sabia o caminho para o banheiro. Calçou a sandália já lascada e pequena de tantos anos de uso e foi embalado pelo sono ainda tranqüilo que o dominava.
Lavando o rosto abriu os olhos.”


Pensar mais. Precisava.

segunda-feira, 21 de julho de 2008




-Olá! Como vai?


-Eu vou indo, pro espaço. E você, Tudo bem?




Olhando pro vento.
Não é porque não enxergamos que não ‘vemos’.
O vento está em todo o lugar em qualquer posição, então não importa pra onde olhamos estamos enxergando o vento... Vendo-o ou não. Para vê-lo é preciso enxergar com um corpo sem olhos ou com olhos bem treinados.


É como se sentir um peixe no mar. Se ele olhar para qualquer lado enxergará ou não a água ao seu redor.
O mar é extenso. Talvez por rodar e rodar e se encontrar em uma totalidade só, os peixes achem que ele é infinito... O mar é o mesmo no mesmo lugar.


Se subisse à superfície será que o peixe reconheceria o mar?


Olhando pro vento me sobe uma nostalgia e uma vontade de observar o universo da fronteira...
Me intrigaria talvez se a fronteira fosse aqui. No mesmo lugar.



..Queria poder viajar sentada na minha bolinha em novas direções e assim ver a beleza do universo observado da extremidade de seu infinito...

domingo, 13 de julho de 2008



...tudo ficou vazio de repente... repentinamente...






Primeira visão.


Ela se abaixava atrás da pedra, recarregava o rifle e o arco, esgueirava-se para uma boa localização e atirava. Uma flecha acertou precisa em um cavaleiro alado que caiu, enquanto ela voltava a se proteger das flechas que agora desciam aglomeradas sorriu de satisfação por ter acertado ao menos um.



Segunda visão.



Ela se abaixava atrás da pedra, recarregava o rifle e o arco, esgueirava-se para uma boa localização e atirava. Uma flecha acertou precisa em um cavaleiro alado que caiu, conseguiu desviar de algumas, mas não havia sido rápida o suficiente e seu braço foi cravado por flechas, segurava a dor e agora chorava, não havia mais braço.



Terceira visão.



Ela se abaixava atrás da pedra, recarregava o rifle e o arco, esgueirava-se para uma boa localização e atirava. Uma flecha acertou precisa em um cavaleiro alado que caiu. Ela tombou para o lado e se debatia no chão, uma flecha em sentido contrário havia sido certeira em seu coração junto com o aglomerado que chegava. Não houve tempo suficiente para ela voltar à posição inicial, não teve nem mesmo a alegria de ver o cavaleiro cair. Se debatia por ter mais flechas cravadas em seu corpo.


A terceira visão foi seu momento final. As outras duas sumiram com o vento.


Na minha frente o pequeno corpo agora se mantinha imóvel. Não tornaria a voar novamente nas asas de uma borboleta.


Mas no meio do sangue e da confusão de balas e flechas que atravessavam o meu corpo permeável e invisível, senti o gosto do pólen na boca, ouvi o zumbido do vento e o grande silêncio que saia da montanha e a leve poeira embaçando meus olhos que agora viam o infinito, mas não sabiam seu nome.



...Por causa do vento o pano continuava a balançar e me deixava ver um pedaço do que ia além...



...pensamentos me perseguem e uivam nos meus ouvidos...




Era um campo de batalha.



Pessoas armadas das mais variadas formas e bichos se desfazendo e surgindo do nada apareciam em todo o local.



Fiquei apenas sentada olhando o andamento da situação.


Um uivo ou talvez um grunhido se fez presente, todos correram para suas posições. Fui em direção aonde havia um arco, ela estava ali. Me abaixei ao seu lado e apenas ouvia sua respiração, cada vez mais forte e seu suor frio escorrendo pela testa.
Outra vez o barulho. Agora todos se mantinham em posição de ataque, vários seres surgiram entre as pedras, levantei um pouco para ver o que viria e para minha não tão grande surpresa homens iguais ao que estavam no pomar apareciam por entre as nuvens, atrás deles outros voavam encima de alguns aviões que mais pareciam de papel, armaduras vermelhas vinham pela terra. Nunca havia visto algo como aquilo, talvez pudesse comparar com um mar, um mar vermelho talvez numa maré de março.



Levantaram as armas. Apontaram os rifles. Direcionaram os bichos voadores com suas caras aterrorizantes e suas caldas de pavão plenamente abertas formando um ângulo com o vento que fazia com que o vôo fosse mais suave e preciso.



Ela calibrou sua arma, mas qualquer um poderia ver que não teria nem mesmo comparação um rifle 028 e uma pistola D 686 que pelo visto era o mais comum no outro lado da batalha.
Ouvi o som de tremores, tremores do coração, e tiros foram disparados. Agora as pedras não ajudavam tanto assim na camuflagem, atrapalhavam o deslocamento dos animais. Tirou o arco e flecha junto com grande parte dos que estavam ali e como uma coreografia todos prepararam e dispararam ao mesmo tempo. Uma chuva de flechas percorria o céu, poucas acertaram os alvos, mas não era o suficiente. Eles estavam chegando perto, o massacre não iria demorar.



Pela terra a maré vermelha se dissolvia e tornava a se juntar a depender do movimento inimigo. Alguns espaços eram abertos algumas vezes entre as armaduras, mas logo fechavam como se fosse tragado por uma grande onda.



Penas voaram pelo céu, tantas que quando se aproximaram era complicado enxergar ao redor.



Ultrapassaram meu corpo sem me ferir, mas não ao dela.
Enquanto tentava atirar mais algumas flechas em defesa e se defender atrás da pedra, tive três visões.



...eu não sabia o que fazer...a sombra na parede não parava de me observar, e sozinha parecia acompanhada...


Sai do meio do alambrado de xorifunculas e fiquei encostada em um canto. A menina vasculhava por entre os galhos que em alguns momentos me lembravam armários, colocou um arco e flecha nas costas, um rifle 028 na cintura, no bolso algo parecido com uma caixa de lenços, mas com algumas flechas especiais dentro, talvez feitas com as penas e unhas catadas anteriormente e uma faixa cinza na testa.
Andei por entre os vãos e peguei uma faquinha como segurança colocando-a no bolso, azar o meu quando a faca caiu transpassando o meu corpo, mas ela não ouviu o barulho.
Depois dessa virada de rumo com uma calça da cor do vestido e armada, pulou da árvore e do chão surgiu um animal que parecia feito de barro e lama com alguns galhos secos grudados com algo que preferi não identificar, até porque poderia ser como um ninho de passarinho e isso não seria tão bom assim.
O bicho por incrível que pareça corria rápido e me segurava firme naquilo que esperava ser não identificável. O vento passava ligeiro pelo meu rosto, uma sensação brusca, mas de paz e tranqüilidade se apagou da minha mente quando pulamos sobre um abismo e como conseqüência caímos nele.
Como numa montanha russa gritei, mas a voz não saia, a menina se segurava e apertava as armas contra o corpo com medo talvez de que alguma se soltasse do emaranhado. Continuamos caindo e entre as pedras via um grupo de pessoas com as mesmas roupas que a minha acompanhante (ou seria eu talvez a acompanhante?) não esperava por aquilo, mas quanto mais próximo do chão ficávamos mais suave a queda se tornava. E o bicho ia se desmanchando, quando chegamos entre as pedras não havia mais nada dele além de uma gosma entre tantas outras que se destacavam pelo chão como se vários já tivessem feito aquele percurso ou usado aqueles animais, se é que era um animal.

quarta-feira, 9 de julho de 2008


...voando longe...sentada no mesmo lugar...




Colocou umas goiabas no bolso e se pôs a bater nas arvores, encontrando uma que provocou um som diferente. Apalpou até o momento em que algumas folhas começaram a cair deixando uma passagem entre os galhos, tirou do bolso uma corda e transpassou no galho se erguendo sustentada pelos braços até desaparecer na copa da árvore.


Como já estava ali não custaria nada continuar indo atrás.


Tentei subir usando a cordinha, mas por falta de bom físico continuei presa ao chão, dei pulos para ver se alcançava o galho e era como se a cada tentativa a árvore crescesse mais, mas não iria desistir.
Catei algumas laranjas e mentalizei para que virassem uma escada,não funcionou, bananas então surgiram na minha mente e por alguns instantes senti um cheiro de queimado e os cachos de banana apareceram no lugar das laranjas. Por um breve momento suspeitei ter queimado meus miolos, mas empilhei, me equilibrei rapidamente e alcancei o galho - segura sobe segura escorrega segura se joga - me joguei para dentro da copa e bati com a cabeça e o braço num chão de xorofunculas, pedras que estão sempre se locomovendo e variando de formas com cores variadas, mas não sabia se não estava enxergando bem ou aquelas eram realmente feitas de folhas secas.

segunda-feira, 7 de julho de 2008





...A menina verde povoa meus sonhos e rouba meus pesadelos...





Continuei sem saber aonde iríamos, mas de onde estava (também não sabia onde estava) ainda acompanhava a menina que saiu em um pomar de laranjas.
Caminhava sob um sol escaldante e já estava pingando de suor quando paramos sob uma sombra, ou o que aconteceu na verdade, a sombra pairou sobre nós. Não era uma nuvem, depois que soube o que era desejei mais ainda que fosse uma ilusão de óptica, mas parecia que isso não existia ali, com uns pés de galinha, uma asa de águia uma cauda de pavão e uma cabeça que lembrava uma coruja, ainda não sei dizer se era um dragão, nunca tinha visto um antes para me tirar essa dúvida, mas o enorme bicho voador foi descendo aos poucos e pelo visto não era amigável ou então o homem que estava montando não seria muito simpático, pois a menina foi tão rápida que apenas vi um vulto seu entre as árvores ou talvez como iria constatar mais a frente, dentro da árvore. Por instinto tentei me esconder também mesmo sem saber se alguém estava me vendo ou não, até porque nesses momentos nunca pensamos nisso e eu ainda não sabia como havia deixado o salão de pensamentos e ido parar ali entre os pés de laranja do lado de um... um...bem...animal voador e seu dono.


Um dono magrela por sinal, vestindo um uniforme azul com um pequeno brasão que tinha como símbolo o animal que estava montado, mas com uma diferença de ser apenas a imagem dos ossos, um escudo que tomava toda a suas costas e uma pistola D686 com alcance de 1 km sem perder velocidade e precisão.


Colheu algumas maçãs, colocou em um grande cesto que ficava perto da cauda de pavão, montou novamente e partiu.
Colheu maçãs. E eu tinha certeza de que eram laranjas.
Enquanto levantava vôo o bicho deixou cair algumas penas e um pedaço da unha que já dava voltas de tão grande, a menina catou e guardou em um dos bolsos, tirou uma goiaba do laranjal e mordeu com ar de satisfeita.

quarta-feira, 2 de julho de 2008


...girando girando girando...girava sentada na bolinha não tão perfeita e observava o universo com seu pisca-pisca ligado...



Do túnel aberto na água saiu um vapor quente como se tivessem acabado de abrir o forno e acertou em cheio o rosto da menina que apertou os olhos e pulou se agarrando nos primeiros degraus. Uma escada tão vertical que mais parecia uma parede, ela colocou um pé e escorregou sem conseguir se segurar em mais nenhum outro e caiu tentando inutilmente se agarrar ao que agora parecia água. À medida que caia a região acima era preenchida de água e agora ela rezava para chegar ao espaço impermeável antes de ser engolida pelo Grande Lago.



Passou por uma coisa gelatinosa, como uma membrana transparente e se chocou contra o chão, um baque surdo ecoou naquele lugar.
Um lugar estranho por sinal, de ar denso e por muitas vezes de um transparente colorido soltando relampejos que iluminavam o local de pura areia seca.



Atolada na areia, pensei que aquele pontinho verde não se mexeria mais. Depois de algum tempo ela se sentou no chão e ficou observando ao seu redor, a cada lampejo de luz algo que ainda não havia observado se revelava. Portas.
Milhares de portas soltas na areia, em pé como se estivessem fincadas no chão, a menina levantou indecisa tentou abrir uma, mas nada acontecia, cavou pelo chão até achar uma pedra e jogou contra a porta que se abriu instantaneamente. Um jato de luz veio do ‘outro lado’ só consegui ver um vulto rápido do vestido atravessar. Não saiu do outro lado, na areia, apenas sumiu junto com o jato de luz, dei graças aos céus. Isso era o que eu esperava.