domingo, 3 de julho de 2011

Postando pra não esquecer (sem final ou continuação)

Os olhos cansados da leitura árdua, intensa como um castigo e que durara uma madrugada e um dia, reclamaram intensamente que os óculos fossem repostos ao rosto e durante as últimas páginas algumas palavras saiam e voltam de foco numa mente latejante.

À noite quando finalmente viu o último ponto seguido de uma folha em branco teve a certeza de que a tarefa havia sido cumprida. Todos os problemas haviam ido embora durante o tempo em que percorrera a mente da pessoa que escrevera naquelas inúmeras páginas que apoiava cautelosamente entre as mãos. Tudo o que havia acontecido nos últimos dias simplesmente havia condensado e virado vapor sumindo pelos ares, sabia entretanto, que era momentâneo, mas tempo suficiente para tirar seus pesares e viver a realidade de outro alguém transfigurado em letras, papel e tinta.

Antes que o sino da igreja terminasse suas badaladas soltou o bloco de folhas na cadeira e aparou os cotovelos no beiral da janela, esticou o braço e com os dedos alisou uma camada gelatinosa e transparente que distendeu ao seu toque retornando logo que retirou a ponta do dedo envolvendo todo o lugar como uma grande e resistente bolha de sabão. Dalí via e ouvia o que se passava lá fora, mas não podia sair, não sabia como se desvencilhar do que envolvia aquele lugar e as pessoas lá embaixo pareciam não escutar seu chamado.

Um rosto momentaneamente desenhou-se no ar, encostou o nariz na tal gelatina circundante e olhou fixamente para os outros olhos que pendiam torpes por trás dos óculos. Incrédulo levou as mãos ao encontro daquele rosto que ao perceber sua tentativa sumiu assim como apareceu.

Não era a primeira vez que isso acontecia, pensou que poderia ser o seu reflexo e por não ter um espelho tateou o rosto, sabia que em vão, os óculos não apareciam no que poderia ser ele mesmo.

Apoiou-se na cadeira e fez sua série de exercícios se esforçando para lembrar quem era e onde estava.

Com o resto do que talvez tenha sido uma caneta cravava na parede mais um dia desde que acordara. Além do rosto que aparecia duas ou três vezes na semana nada mais entrava em contato com ele, se é que podemos considerar aquilo como uma tentativa de contato, nem mesmo sabia como estava sobrevivendo enquadrado numa 'bolha de sabão'.

Retornou aos papéis, folheou páginas a fio, mas nada lhe vinha a mente. Sua aparência havia mudado muito, sua barba já estava grande e seu cabelo embolado em um cacheado intenso.


(...)

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