A rua cheia de pés, mãos, braços, coxas, bundas, peitos, dedos, bocas, conhece o vazio de ter tanto e tão pouco. Vai passando tão rápido sob os pés que possui tudo, mas apenas por um instante e nada mais.
Foi em uma dessas ruas cheias de gente e camelôs que um livro se perdeu.
Um livro? Você vai pensar e fazer cara de paisagem, pois é, um livro.
Mas e daí? A sua cara de paisagem é uma coisa a se considerar.
Achei ele tão sozinho e carente no meio dos pés amontoados que resolvi olhar mais de perto. Tá rasgadinho na aba e amassado por dentro. Virei uma página com a sandália.
Roído por dentro... Papel novo, mas todo furado.
Me abaixei perto do poste e fingi catar alguma coisa enquanto pensava. Mas olha só! Deparei com o meu ridículo de justificar com pessoas que nem sequer estavam me vendo ali, a menos quando esbarravam. Sentei.
Sentei naquele chão sujo onde as baratas correm junto às ratazanas pela noite, chão cuspido, urinado, defecado por pássaro, gato, cachorro e gente, esfregado apenas com água da chuva e encerado por pneus.
Sentei.
Qual a diferença do ser humano pra uma baratinha?
Pensamentos?
Balela! Balela pura!
O ser humano é feito de desespero pela sobrevivência tal qual um inseto.
Onde o pensamento se encaixa?
Na agonia, na frenética agonia do ser ou não ser.
O desespero move um homem para o progresso ou para a morte, faz pensar, sentir, agir. Mesmo que seja pensar em nada, sentir o nada, agir? Desespero foi tamanho que ficou parado, mas é dele que surge o descobrimento da força e da fraqueza.
Sentei com o livro do meu lado, olhei tão de perto que não vi nada, estava quase inteiro, mas era qualquer língua que não a da minha boca.
8 comentários:
Sobre o meu comentário no post anterior, quis dizer que tive a sensação de ter escrito o seu texto. Tipo, você leu meu pensamento... Enfim, beijo!
Que texto lindo (L)
Retribuindo a visita e sendo muito bem recebido, por sinal.
Como são felizes essas epifanias. O que mais me identificou no seu texto é o fato de (assim como eu) teorizar a nossa pequena importância. Parabéns.
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Querida amiga avassaladora...estou muito curiosa entre dois momentos ...O que aconteceu entre o momento em que voce escolheu nomear os comentarios como "alegrias" e a publicação dessa cronica?
está bem escrita, mas tem um peso acido que não combina com "alegrias"... estou delirando ou sendo perceptiva?
Gostei do texto! Tanto que acompanharei os próximos e terei o prazer de ler os antigos.
Também retribuindo a visita! Belas e importantes palavras encontrei no seu blog.
o/
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