terça-feira, 25 de março de 2025

E eu sei lá

 Chegou meu certificado de adulta esses dias, mas não veio por correio nem por e-mail, chegou de surpresa em uma impressão de ausência de ânimo e sentido. Veio no corpo marcado por seriedade, estilo profissional, só que meio sem vida. 

De início estranhei, não consegui entender o que era aquilo. Aos poucos fui lendo os sinais e entendendo que havia cruzado a linha da vida adulta. Sem brincadeiras, sem canções, sorrisos curtos e sem graça, olhares vazios. Só podia ser isso.

Tomei mais um copo de água, comprei uma marmita, olhei o notebook com meus compromissos aguardando eu reagir. A dor nas costas não nega.


Sentei, mas não aguentei o peso, tive que deitar. Janela aberta, me cubro com a velha coberta, começo a suar, mas não me movo. Alguns lampejos me mostram que os sinais já estavam aqui, só faltava o golpe final do desânimo até com o que se ama.  


Senti falta da correnteza arrastando meu corpo na água, do pincel desbravando pinturas abstratas, dos sorrisos sem sentido e das gargalhadas até chorar. Andar sem rumo na rua com uma paçoca no bolso. Conversar por horas sem fim e não cansar. Ligações que duravam horas e horas. Amizades que faziam qualquer dia cinza um arco-íris. Senti falta de levar a vida numa boa.


Emoldurei meu certificado de adulta com retalhos do que me faz feliz. Busquei do fundo da minha alma tudo aquilo que me faz leve e expremi em uma tinta, joguei por cima do desânimo e da falta de sentido. 

A vida não precisa fazer sentido mesmo. 

Que seja leve enquanto dure. 

Leve como uma pena voando solta pelo ar, que existe e só pela sua beleza em ser já nos faz feliz.








terça-feira, 4 de março de 2025

O que você vê pela janela?

Diminuo o som da música, está tocando Didn't I do Darondo, já no finalzinho. Coloquei aquela playlist que me faz lembrar você para tocar. Hoje são 04 de março, mas parece que desde sempre eu escuto essas canções, tocam em meu coração e fazem playback em minha mente quando estou só e enquanto devaneio mesmo no meio das pessoas. 

Hoje eu decidi que ia esquecer de você, mas não durou mais que uma hora e quarenta e poucos minutos, exatamente o tempo do filme que coloquei pra passar. Para falar a verdade, nem funcionou de verdade. Assisti o segundo filme e parece que o efeito foi um pouco melhor. Por alguns minutos eu esqueci de tudo.

E se eu desligar o celular? Talvez ajude em alguma coisa, talvez. 

Na última vez eu deitei na cama, desliguei tudo, tranquei a porta decidida a deitar e não pensar em você.

No escuro, mas não tão escuro por causa das luzes dos postes lá fora, no quase escuro, deitada, olhei pela janela por horas a fio. Passando junto com as nuvens no céu desfilavam minhas memórias, nossas memórias, tão mal guardadas como uma roupa tirada do guarda-roupa sem passar. Memórias de dias que existiram e outras que foram criadas pela minha própria cabeça.

My song de Labi Siffre está tocando agora. Acho que você nem sabe que eu gosto dessas canções, nem imagina que elas me lembram você. Não sei mais quando, mas eu era criança quando comecei a ouvir blues e jazz. Por um acaso tinha o cd do BB King lá em casa. Hoje quando escuto essas canções por alguma razão me lembram você, e você nem gosta dessas músicas assim. Quem entende?

Mas são canções que me acolhem, como uma coberta macia e quentinha ou como uma almofada tão grande e tão fofa que se eu sentar me abraça por inteiro. Me trazem paz assim como a sua presença também me traz paz. 

Pulei para próxima música. Está tocando Pass me by, com Sharon Jones e The Dap-Kings. Até com as letras mais insanas e tristes eu sinto paz.

Vou de uma canção a outra assistindo a janela do meu quarto. Meus dedos passam pelo cabelo desmanchando os cachos, meus olhos perdidos, a mente solta e completamente fora do corpo buscando o momento que só se vive uma vez.

A janela escancarada me assusta. Tenho medo de flutuar e sair por ela com o vento e meus pensamentos. Mas no fim nada acontece. Meu corpo continua pesado em cima da cama, as nuvens devagar vão passando e se desfazendo, e eu continuo pensando em você. Sem forças pra lutar me rendo a te amar 

Imperfeitamente

Em linhas tortas

Do avesso

Em cacos de flores quebrados

Atrás do porta retrato 

Em palavras mal escritas.


Me rendo assistindo o tempo passar através da janela.














quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Ligação de Natal

 Alô, Maria, sou eu de novo. Te ligando pra dizer que hoje é Natal mais uma vez e por aqui o brilho ficou só no pisca pisca, que modéstia a parte esse ano eu fiz questão de ligar várias vezes. 

Maria, tá me ouvindo?

Meu corpo dolorido, minha cabeça ainda zonza, acho que peguei um resfriado. Não, não se preocupa, vou ficar bem. Sei fazer um chá e na dúvida eu durmo de novo até acordar boa. 

Preciso te dizer que quero chorar e não consigo. Então, não é que eu esteja triste, não sei explicar, só queria conseguir chorar e lavar a minha alma, esfregar com água e sal meu coração até ele ficar alvinho e leve novamente. Isso, como das outras vezes! Só que estou sem lágrimas. Quando aparecem só uma ou duas, só umidecem as pálpebras. 

Você ainda está aí? A ligação hoje tá falhando. Estou tão sozinha na multidão. As vozes sopradas nas minhas costas me agoniam e me fazem querer correr, mas é aquela loucura de Natal, todo mundo aglomerado tentando achar um presente, uma roupa, um enfeite novo. Eu vou como se faltando um pedaço, algo que esqueci por aí e não consigo repor. 

Sei, sim, sei que vim inteira pra essa vida. Entendo, mas ainda sinto falta. 

Maria, quando você vem me ver? Queria ir aí te ver, mas você sabe, o futuro é imprevisível e se eu for não sei bem o caminho pra voltar. Ano que vem? Tenho muitos planos, espero conseguir realizar alguns deles. O meu maior plano é não ter pressa e viver devagarzinho, sentindo os dias escorrendo pelas mãos. 

Quero pregar na parede da minha casa os quadros que vou pintar, e colocar as frutas da semana no cesto que vou fazer, deitar na rede e me estirar no meio da sala olhando o nada e as plantas penduradas ao acaso. Quando você for na cozinha vai ter ervas plantadas na janela, as panelas pelas paredes e meus vasos fermentando na estante. Tá rindo, Maria? Ah, parece casa de bruxa, mas eu bem que sou! Graças a Deus não queimam mais nas fogueiras. No quarto vai ter pouca coisa, mas não pode faltar o altar pro Bom Deus. Vai ser simples, você sabe como eu sou. Se eu der sorte Maria, até as canecas que você beber água sou eu quem vou fazer. 

Parece sonho, né? Ai Maria, você me conhece, vai dar certo eu só não sei quando. 

Maria, o que você faz quando te falta esperança? Isso, o que você faz quando acaba a animação?

Eu não sei, se eu soubesse não estaria perguntando. Rezar?

Talvez eu devesse fazer uma oração hoje então, aproveitar que é Natal, quem sabe o efeito é dobrado?

Você ri, né, mas vai que cola! Dizem que Natal é um dia diferente, as pessoas se esforçam pra ser melhores, eu só sinto melancolia, mas vai que pra Deus também é especial. 

Maria, obrigada por me ouvir. Vou desligar, tá ficando tarde. Quero rezar antes da meia noite que é pra ainda ter o efeito do dia de Natal. 

Se cuida, viu! Eu tô me cuidando. Também te amo. 



 







quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Vulnerável

Se eu deitar não sinto o apoio da cama, de pé não sinto o chão, ando como se em nuvens que se desfazem a cada passo. 

Vazio por dentro enquanto o coração bate acelerado. 

Na cabeça gira um só pensamento que tira a minha paz e presença.

O corpo todo sente a falta, como se em abstinência de uma droga potente ou adoecido na ausência de algo vital. 

Respiro fundo e sinto toda a minha vulnerabilidade, a vontade de chorar, mas nenhuma lágrima cai dos meus olhos secos.

O sorriso apagado pela saudade. 

A falta de sono de quem quer acordar desse sentir-se frágil e impotente. 

Vestida me sinto nua.

Nua me sinto sua. 

Vulnerável, meu espírito busca se encontrar mais uma vez.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Desapego

 Soltar as amarras, liberar a fivela, desatar os cadarços, abrir os botões 


Entre o nascer e pôr do sol tem o tempo de se iludir,

Entre o se pôr e o nascer há o tempo pra sonhar.

Em ambos a mente divaga perdida tentando se encontrar no presente. 

Buscando aquele instante único que acontece vez ou outra, quase raramente, 

em que estamos por completo no aqui e agora.

O momento em que desapegamos das ilusões, 

soltamos o passado e o futuro 

e nos vemos no aqui.

Aquele instante que mais se parece com o exato momento de alívio em soltar um botão apertado,

os três segundos que precedem e após esse instante, onde só sentimos a liberdade e nada mais.

Desapego do que foi vivido e do que virá, talvez seja esse o segredo que me custa aprender, porque quando solto o passado e libero o futuro, só me resta a mim mesma. Eu, pequena no universo e nada mais.







quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Quando o mel vira fel?

Várias vezes me pego pensando em você, em todos os momentos que tivemos juntas e fico triste em ver como tudo se desenrolou. Sem uma conversa apropriada, de forma distorcida e amarga. De um jeito que me assusta e entristece. 

Todas as memórias que tenho da gente são bonitas, então, quando foi que o amor se perdeu?

Nunca pensei que o que dizem sobre casar fosse assim tão difícil. O cansaço, o estresse do dia a dia, a rotina a curto prazo são como uma corrida com pesos nas mãos, no início a gente leva, mas a medida que o tempo passa vão deixando os braços cansados, e exaustos, estes não abraçam, só querem descanso.  

Pessoas exaustas não tem paciência, não namoram, conversam pouco, querem seu próprio tempo e espaço. E acho que cheguei nesse estágio de exaustão durante a nossa relação. Uma mistura de excesso de trabalho, cuidados invisíveis e racionamento de recursos financeiros faziam o contexto aumentar ainda mais a carga de estresse. Passamos tanta coisa juntas, dias de muitos sorrisos e também dias difíceis.

A pandemia nos uniu, mas ela também me quebrou em pedaços. Um contexto completamente atípico em que passamos a dividir a mesma casa. Ali foi um marco da nossa união física, mas também de quando o sentimento começou a se transformar. Somos tão parecidas e ao mesmo tempo completamente diferentes. Durante esse início tive os maiores picos de estresse que consigo me recordar na vida, foi quando em alguns momentos não me reconheci em mim, e quando os beijos se tornaram mornos, e isso ficou preso como um espinho no pé.    

Não vejo eu ou você como responsáveis ou culpadas por nada do que ocorreu e eu não soube lidar, era algo novo para as duas e os ajustes de rota aconteceram para ambas. Aquilo que se vive e faz pela primeira vez exige seu tempo de maturação e aprendizado. Não sabia como conversar algo que eu ainda não entendia o porque. Pra ser sincera até hoje ainda tento entender e achar a melhor forma de expressar. 

Por todo esse tempo sempre me recordava dos primeiros meses em que nos conhecemos, era a minha forma de renovar o sentimento e seguir em frente. Mas lá no fundo eu sabia que em algum momento esse espinho não iria me deixar continuar caminhando ao seu lado. Um misto entre querer continuar e insistir ao mesmo tempo que sentia um cansaço de tirar o fôlego. E por favor, não entenda isso ao avesso, o amor sempre existiu e foi isso que me manteve ao seu lado por todo esse tempo, mas a exaustão foi minando os dias bonitos.   

Esse ano diante de tudo o que aconteceu cheguei a conclusão de que tem horas que é melhor soltar ao invés de segurar, me machucar e machucar ainda mais você. Até porque chegamos num ponto que todo mel foi se revirando em fel, e tudo o que conversavamos se tornava amargo. 

Com certeza estou atrasada para te enviar essas palavras, atrasada em por isso a mesa, mas você foi e é uma das pessoas mais importantes na minha vida.   


terça-feira, 5 de novembro de 2024

Estou com sintomas de saudades

Depois de um intervalo enorme sem escrever no blog, voltei. Não sei se voltei pra ficar, mas com certeza aqui, aqui é o meu lugar.

Por um acaso do destino, daqueles que não são mera coincidência, me lembrei que eu gosto de escrever, mas que nos últimos anos tenho visitado cada vez menos meus momentos de escrita livre e desabafos. 2024 com todo seu charme me virou de cabeça para baixo e nesse sacolejar apareceram inúmeras coisas que eu gosto de fazer e que foram deixadas para trás. Ouvir música, dançar e cantar sem medo de fazer barulho, olhar para o céu sem compromisso, ler simplesmente por ler, e me encantar pela diversidade e caos do mundo são algumas delas.  


Mudamos ao longo do tempo e as vezes nem percebemos que aquilo que deixamos de lado era o motivo de sorrisos, o que nos mantinha seguindo com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo.

Os dias vão passando e quando vemos o que antes fazia todo sentido para nós fica esquecido dentro da gaveta. A poeira do tempo vai tomando conta, e hábitos, rotinas, vão sendo esquecidos como que envoltos em neblina. 

Quanto tempo leva para lembrar o que nos faz bem e ficou para trás?

Um dia, como que por acaso tropeçamos em acontecimentos que nos lembram aquilo que faziamos com tanta disposição. Como se o universo desse em um empurrãozinho em nos recordar o que nos aproxima da nossa essência, o que nos faz perder a hora de dormir sem tomar café. Ele lembra o que te move com prazer, sem esforço, como que em um grande fluxo.

O que te move com prazer?


Respiro entre uma palavra e outra como quem volta a andar de bicicleta depois de aprender na infância. A delícia do vento passando pelo rosto e a sensação de que não se esquece aquilo que se ama. Da mesma forma, os dedos no teclado se deliciam em ver as palavras surgindo na folha em branco, como que saudosos abraçam até os tropeços de uma pessoa enferrujada.


Estou com sintomas de saudade

Saudades de mim. Saudades do que esqueci.



Obs.: Para o/a leitor/a de plantão, recomendo os textos com a memória fresca de músicas brasileiras. Algumas frases vão soar melhor assim.



É preciso saber viver

Na contracapa da vida, em letras miúdas e quase no rodapé está escrito,

"Enquanto respirar, lembre-se, é sobre-viver

sobre

viver"

Pensei então com meu botões, sobre viver, não é apenas sobreviver. É sobre estar no tempo imensurável e espaço in-finito incompreensível a mente humana de uma forma que vai além da sobrevivência, algo a mais do que a busca pela água, comida e abrigo. 

É sobre-a-vivência. 

Me arrisco a dizer que é mais o Como, do que o por que, quando e para quê.

Mas como viver onde exigem que só sobrevivemos?