sexta-feira, 7 de abril de 2017

O corretivo

Diariamente lido com pessoas que me relatam obstipação, passam dias e mais dias sem ir ao banheiro, mas do meu problema ainda não ouvi nenhum caso e até duvido que haja um medicamento para isso. Há alguns dias estou sofrendo da falta de lágrimas, a garganta travada, as linhas de expressão alteradas, faço até um esforço, mas sem êxito. Olhos secos, sem nem lacrimejar.

No trabalho a lista diária sofre mudanças constantes, troca de quarto, troca de andar e principalmente devido ao falecimento das pessoas. Morte. Morte. Morte. Morte. Falamos várias vezes para que morrer se torne tão natural quanto viver. Para que a finitude do corpo físico se torne nossa amiga.
Mas o corretivo é cruel e verdadeiro. Ele apaga o nome da pessoa, seus gostos, rejeições, problemas, tudo. Apaga tudo da lista e abre espaço para que outros cheguem. O corretivo mostra como a vida funciona. Ele faz parte do cotidiano, arma secreta de todos os funcionários. E toda vez que aquele líquido branco forma uma crosta na lista me faz pensar na momentaneidade da vida, como tudo continua, pois já pude constatar que o mundo não para de girar apesar do corretivo.

Por amor, com amor. A morte muitas vezes chega com amor. Delicadamente se instala ao lado da pessoa, aguarda pacientemente que ela segure nas mãos do outro e receba um carinho talvez. As vezes a morte chega por amor e leva todo sofrimento embora, leva a angustia que não cabe mais em si, leva a solidão, lava a alma. Amo-te. A morte. Duas coisas diferentes, mas que no fundo dizem a mesma coisa.

Sentada com o computador no colo respiro fundo e escuto o barulho dos carros lá fora, asfalto ligeiramente molhado da chuva, barulho de grilos ao longe e uma brisa bem de longe entra pela janela. Cansada e não consigo dormir, olhos secos, noite nublada. Na janela ficavam duas folhas secas presas com um pregador de roupas no beiral. Ficavam ali para me lembrar de que a vida é passageira e que a folha da árvore um dia cai. Hoje eu olhei pra janela e percebi que elas não estão mais ali, na melhor das hipóteses o vento levou. E então vejo que até as folhas secas que eu mantinha para me lembrar da transitoriedade da vida passaram.

Eu, passarinho. 




Por amor, com amor. 





Um comentário:

Rafael Gomes disse...

Simplesmente... foda! Parabéns!